quarta-feira, 27 de agosto de 2014

HIERARQUIA E ANARQUIA

Edição: Julho/2014
Este fato teria ocorrido numa cidade de médio porte, localizada dentro do território nacional, na cidade cuja sigla é LINS (Local Incerto e Não Sabido).
Naquela fictícia localidade, o número de veículos automotores de transporte individual e de propriedade privada, aumentou de tal forma, que o trânsito se tornou absolutamente caótico. Era muito difícil circular e pior ainda estacionar. Cada motorista queria duas coisas impossíveis: que o carro à sua frente, fosse mais rápido e que ninguém estacionasse em lugar algum, a não ser ele, naturalmente! Ou seja: não se podia andar, nem se podia parar!
Cada centímetro quadrado disponível para estacionamento era disputado ferozmente. Nem é preciso dizer que a sinalização indicativa de “estacionamento proibido”, ou a que reservasse vagas para idosos e deficientes, serviam de enfeite, já que eram raramente respeitadas.
A situação mais vexatória se dava no entorno de um quartel. As portentosas placas informativas de “área restrita”, onde ninguém poderia sequer parar o veículo, eram solenemente ignoradas. E nem se podia dizer que as pessoas daquele bairro eram ignorantes. Afinal a repartição estava instalada numa área classe “A”, habitada por gente endinheirada, como se diz por aí. Ao que parece havia um entendimento tácito entre o poder público e o público poderoso: “Ceis num mexe com nóis, nóis num mexe cosseis”.
Até que, num belo dia estava agendada a visita de um oficial de alta patente. Em ocasiões assim, se espera que cada brasileiro cumpra com o seu dever. No dia anterior à visita, o comandante da unidade anfitriã, pôs toda a tropa em forma e deu ordens peremptórias: no dia seguinte, a regulamentação de trânsito deveria ser cumprida, a ferro e fogo, doer em quem doesse.
No dia aprazado, os policiais encarregados de fiscalizar o trânsito, subitamente ficaram intransigentes, a tal ponto, que os motoristas, acostumados a receber um tratamento leniente, reclamavam veementemente, inconformados com a repentina inexorabilidade da lei. Os policiais deviam agir com paciente inflexibilidade: “usar de forma moderada, a força necessária”, seja lá o que isso quer dizer! Mas tão maltratados foram que rapidamente se tornaram ríspidos e intolerantes.
O pior incidente aconteceu justamente defronte ao principal portão do quartel. Quase no horário em que o comandante visitante deveria chegar, o policial encarregado do setor viu um automóvel estacionado, de tal forma, que nenhum veículo poderia sair ou entrar. Para desanimo do policial, quem estava ao lado do carro era um antigo morador do bairro e conhecidíssimo de todos. O ancião, ao ver o policial, sacudiu as chaves do veículo, fazendo sinal para se aproximasse. O miliciano, já sem paciência nenhuma, ainda conseguiu articular uma frase conciliatória:
- Senhor, faça a gentileza de tirar este veículo imediatamente do local, antes que eu lhe aplique uma multa!
O velhinho olhou por alguns instantes o policial, com uma cara de quem estivesse vendo um marciano e finalmente respondeu:
- Lamento, mas não posso fazer isto!
O guarda olhou para o relógio, viu que já estava bem na hora do “dito comandante de alta patente chegar” e resolveu “engrossar” de vez com o “velhinho folgado”.
- Se o senhor não tirar este carro agorinha mesmo, eu vou multar e mandar guinchar. Entendeu bem?
O macróbio deu um sorriso condescendente e explicou, com voz de professor:
- Entendi! O Senhor é que não está entendendo nada.
Tome aqui as chaves e trate de tirar o senhor, este carro daí!
O policial só não sacou o revólver, porque lhe deram apenas o apito e o talão de multas. Mas resolveu dar o caso por encerrado.
- Eu acabo de chamar o caminhão guincho. Em menos de um minuto ele vai chegar. Estou lavrando a multa. Contente agora?
O idoso finalmente demonstrou algum aborrecimento e tentou argumentar:
- Será possível que o senhor não vai me escutar. Eu não posso tirar este veículo daí, nem o senhor pode determinar que seja guinchado. Aconselho-o a esquecer esta multa, pegar as chaves e fazer como eu já lhe disse. Tire o carro o senhor.
Naquele momento o caminhão guincho chegou e diante do olhar contrariado do idoso, o automóvel foi rebocado e levado embora. O policial, agora já bem mais calmo e sorridente, foi até o velhinho e lhe entregou a multa, ouvindo esta resposta:
- Ora! Vá entregar esta notificação para o dono do veículo, que é o comandante que está visitando o quartel. Ele teve que deixar o veículo aí mesmo diante do portão, que não sei por que, estava fechado. Como ele é meu conhecido há muitos anos, “me entregou” as chaves do veículo e pediu para que eu solicitasse a qualquer policial para estacionar o carro no quartel. Mas o senhor.... francamente....que falta de paciência! Puxa vida!

Clóvis Ferreira Frias

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