terça-feira, 24 de março de 2020

Princípio da Unicidade da Justiça Desportiva

Por
Marcelo Cristiano da Silva Siqueira
Atual Vice-Presidente da Comissão Disciplinar Permanente de Justiça Desportiva de São Carlos - Mandato 2016-2020
Presidente indicado da Comissão Disciplinar Permanente de Justiça Desportiva de Araraquara - mandato 2020-2024

Hoje muito tem se avançado a Justiça Desportiva tanto na esfera regional, como na esfera nacional.

A Justiça Desportiva é prevista no Art. 217 da Constituição Federal com regulamentação legal na Lei Pelé de 1988.

E para o funcionamento da Justiça Desportiva existe o Código Brasileiro de Justiça Desportiva pra todas as modalidades, podendo cada Entidade de Administração do Desporto formular seu Código de Justiça Desportiva através de Resolução interna.

Vale salientar também, que pra cada competição, existe um Regulamento do Campeonato a fim de trazer as regras específicas para o bom andamento dos jogos da competição.

Também segundo a Lei Pelé é possível que cada entidade de administração de desporto tenha o seu Tribunal de Justiça Desportiva e aí que está o ponto onde chegaremos neste artigo.

Vale salientar que a legislação, doutrina e jurisprudência da Justiça Desportiva ainda é muita escassa. Temos poucos artigos que tratam mais da legitimidade da Justiça Desportiva que já está mais do que sedimentada no ordenamento jurídico brasileiro.

Por conta de tudo isso, a Justiça Desportiva está tendo alguns gaps, como por exemplo a formação de Comissões Disciplinares internas com nomeação ad hoc de gestores de empresas, clubes e até mesmo Ligas sem estarem vinculados a um Tribunal de Justiça Desportiva legitimamente constituído segundo a Lei Pelé, portanto TOTALMENTE irregulares e ilegais, cujas aplicações de penas são nulas e facilmente derrubadas pelo Ministério Público, Defensor Público ou qualquer advogado na Justiça comum.

Ainda segundo a Lei Pelé, cada Tribunal de Justiça Desportiva tem total autonomia em relação à entidade de administração do desporto, ainda que sejam mantidas financeira e estruturalmente pelas mesmas, mantendo a sua independência semelhante ao Poder Judiciário sem a necessidade de ter personalidade jurídica própria.

Isto posto, chegamos ao problema central de existir um Tribunal de Justiça Desportiva para cada Entidade de Administração de Desporto, o que para muitas entidades além de ser inviável do ponto de vista financeiro também é inviável do ponto de vista estrutural. Sem contar que se um ou mais clubes discordam de uma determinada punição de um TJD, os mesmos saem da entidade que estavam, criam uma outra entidade com outras regras e uma nova competição pra ter um TJD que atenda as suas expectativas e interesses, ou ainda pior, entidades destituirem um TJD pra constituir outro TJD pra julgar segundo os seus interesses.

Esta cena já vimos antes no Judiciário brasileiro, e isso se chama Tribunal de Exceção condenado e rechaçado na carta magna brasileira.

Outro problema que vemos é a falta de unidade na Justiça Desportiva, pois se um atleta é punido num tipo de modalidade em determinada entidade de administração do desporto, o mesmo atleta acaba migrando pra outra modalidade de outra entidade de administração do desporto pra continuar a suas atividades, ficando na verdade impune, o que não ocorreria se houvesse um Tribunal de Justiça Desportiva para todas as modalidades desportivas e entidades de administração do desporto, respeitando em cada julgamento as Regras específicas da modalidade desportiva em tela através de um ou mais Auditores especialistas.

Hoje como um modelo eficiente a ser seguido em todo o Brasil é o Tribunal de Justiça Desportiva de Santa Catarina regulado pela Lei Estadual n.º 9.808, de 26 de dezembro de 1994, onde se incluem num sistema estadual de desporto todas as federações e entidades de administração do desporto, onde se tem APENAS um TJD no Estado pra julgar as causas desportivas daquele Estado.

Como em vários Estados inexiste este sistema, o que é viável fazer é um convênio entre o Tribunal de Justiça Desportiva  estadual com as federações desportivas, ligas desportivas, prefeituras e demais entidades de administração do desporto dentro do Estado de modo a eleger o foro do Tribunal de Justiça Desportiva em questão pra preservar a imparcialidade dos julgamentos e evitar os chamados Tribunais de Exceção e a impunidade de atletas.